Políticas de Currículo no Brasil e em Portugal

Ano: 2008

Organizador(es): Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo

Editora: Profedições

Número de Páginas: 153

ISBN: 9789728562564

Apresentação:

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Buscamos, neste livro, o diálogo entre as investigações que desenvolvemos, ao longo dos últimos anos, no âmbito do grupo Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura, no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e aquelas desenvolvidas por outros grupos com os quais mantemos intercâmbios de pesquisa. Assim, reunimos artigos que aprofundam discussões sobre currículo e cultura, currículo e políticas, currículo, identidade e diferença, mas também artigos sobre formação de professores e educação inclusiva que vêm produzindo um diálogo profícuo com o campo do currículo tendo por base a discussão mais ampla sobre políticas, diferença e inclusão.

Apresentamos inicialmente o artigo Pensando a diferença nos currículos, de Elizabeth Macedo e Débora Barreiros, que aborda como os currículos escolares têm tratado a diferença, tendo em vista a descrição multicultural das sociedades contemporâneas. O artigo inicia discutindo cultura como prática de significação, identidade e diferença. As concepções estruturalistas da identidade e da diferença são abordadas, de forma a fazer sua ampliação por meio de autores pós-estruturalistas como Derrida. Termos como diálogo, negociação, solidariedade são analisados, particularmente na forma como têm sido utilizados para definir a interação entre culturas. Essa análise parte de um levantamento de soluções multiculturais que implicam tratar a diferença como diversidade, para defender que a diferença seja entendida como lugar enunciativo ao invés de como objeto epistemológico.

Expressando resultados de uma pesquisa sobre políticas de currículo, Alice Casimiro Lopes e Ana de Oliveira focalizam – no artigo O contexto da prática nas políticas de currículo – modos de investigação de políticas de currículo produzidas no contexto da prática. As autoras partem de uma pesquisa sobre a recontextualização de propostas oficiais dos anos 1990 e 2000, em um colégio público federal na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, como base na abordagem do ciclo de políticas de Stephen Ball e nas discussões de Ivor Goodson sobre disciplinas escolares. Elas concluem que a prática curricular do colégio, a despeito de extremamente ligada ao Ministério da Educação e de ser tratado como laboratório curricular para políticas produzidas nesse período, guarda relações acentuadas com o histórico da instituição. Assim, é questionada a idéia usual de que a prática é apenas espaço de implementação de políticas e são evidenciados os sentidos dessa prática que, de forma híbrida, produzem as políticas de currículo.

Também evidenciando a potencialidade das discussões sobre a cultura escolar, Maria de Lourdes Tura – no artigo Ordem e violência na escola– analisa o crescimento da violência urbana em suas múltiplas dimensões. Neste texto, são investigados aspectos da violência na escola, focalizando especialmente o cotidiano de duas escolas noturnas dedicadas à educação de jovens e adultos e localizadas no município do Rio de Janeiro, no Brasil. A autora procura articular a perspectiva do que denomina violência da escola com a violência na escola. Na análise da violência da escola, tem por centro o conceito de violência simbólica de Pierre Bourdieu, que a entende como o resultado da dominação de uma cultura hegemônica e arbitrária que, ao adotar processos de legitimação, vai eliminando ou silenciando outras significações das diferentes culturas que circulam no espaço escolar. Por sua vez, ao discutir a violência na escola, a autora afirma que esta se espelha na violência da cidade, capaz de atingir principalmente moradores das periferias e de produzir discriminações. Com essa articulação, conclui que, de um lado, nesse espaço da ação pedagógica, a ameaça e o fantasma da violência têm provocado o enrijecimento das relações educativas e, por outro lado, tem trazido novas dificuldades ao trabalho docente e ao currículo.

Dirigindo a discussão para a formação de professores, mas ainda assim evidenciando o diálogo as políticas de currículo, Marli André – no artigo Relações entre pesquisas, práticas e políticas de formação docente – apresenta uma discussão centrada em três grandes questionamentos: que pesquisas vêm sendo realizadas na área de formação de professores no Brasil? Quais pesquisas têm influenciado as políticas públicas? Como se dão as relações entre as pesquisas, as práticas e as políticas neste país? De forma a mapear a pesquisa recente sobre formação de professores, a autora analisa temas, metodologias e tendências em dissertações e teses defendidas nos Programas de Pós-graduação em Educação no Brasil, nos anos 1990 e 2000. A partir dessa análise, conclui que os discursos dos políticos e das mídias têm influenciado a escolha dos temas e das metodologias de pesquisa sobre formação docente. No seu modo de ver, o Estado avaliador tem privilegiado as pesquisas quantitativas, produzindo novas formas de regulação, centradas no desempenho, sobre os atores do sistema.

Ainda no âmbito da formação de professores, mas expressando conclusões das investigações que vêm se realizando a partir de intercâmbios luso-brasileiros de pesquisa[1], Rita de Cássia Frangella e Rosanne Evangelista Dias apresentam o texto Reformas Curriculares na formação de professores no Brasil e em Portugal – Identidades em (re)construção. O artigo discute as reformas curriculares no Brasil e em Portugal focalizando a projeção/produção de uma identidade docente que baliza a formação de professores nos dois países. A partir da compreensão do currículo como prática cultural, as análises desenvolvidas questionam o caráter totalizante da identidade docente projetada, discutindo os sentidos que delas se depreendem e os marcos organizadores das propostas: competências, o professor como gestor, as performances docentes. Para tal, as reformas analisadas são compreendidas como políticas curriculares, produzidas num dinâmico processo que entrecruza diferentes esferas de produção. São particularmente destacados no texto os movimentos e as hibridações do contexto de influência e a produção do texto político.

Introduzindo as discussões sobre as relações entre currículo e inclusão, Carlinda Leite e Preciosa Fernandes apresentam o texto Desafios para um currículo escolar comprometido com a inclusão, no qual analisam a educação escolar como um direito. Defendem as autoras que esse direito tem sido reclamado por setores diversos das sociedades contemporâneas, sendo expresso como um pilar no qual se devem estruturar as políticas educativas. Discutem, por exemplo, como a Declaração de Jontiem desencadeou um conjunto de medidas políticas que pretendem gerar efeitos curriculares, com a substituição da idéia de que a educação escolar se destina apenas a alguns por aquela que a considera um direito de todos. As autoras analisam como essa concepção coloca novos desafios e exigências às instituições educativas, tendo como uma de suas principais conseqüências a necessidade de produzir conhecimentos que favoreçam processos educativos e curriculares capazes de considerar a diversidade nas escolas. São analisados, então, os princípios de uma educação comprometida com a inclusão social e as medidas que, em Portugal, têm sido tomadas no sentido da sua concretização. Dessa forma, são também analisados os limites e possibilidades de concretizar uma educação para todos e com todos.

De forma correlacionada ao texto de Carlinda e Preciosa, Rosana Glat, Edicléa Fernandes e Márcia Pletsch analisam as políticas de educação inclusiva no Brasil, a partir do caso específico do município do Rio de Janeiro. No trabalho Políticas de Educação Inclusiva e seus desdobramentos na rede pública de Educação do Estado do Rio de Janeiro, as autoras discutem como vem se consolidando no país, nos últimos anos, um discurso em prol da Educação Inclusiva, com base na consigna «Educação Para Todos». Salientam o quanto diretrizes internacionais disseminam esse discurso. Buscam problematizar, então, a inclusão educacional de alunos com necessidades especiais – historicamente considerados responsabilidade exclusiva da Educação Especial. Defendem que a diversidade do alunado, agora legitimado em seu ingresso na escola, implica uma re-estruturação nas práticas e culturas pedagógico-institucionais, e faz interface direta com a produção de conhecimento e a formação de professores. Na intenção de aprofundar essa análise e compreender as repercussões produzidas na educação brasileira, este texto analisa as políticas públicas elaboradas nas últimas décadas no Brasil, bem como seu impacto particular nas redes públicas do Estado do Rio de Janeiro.

Com o conjunto das conclusões desses textos, buscamos então reafirmar o que já apontamos em outros trabalhos[2]: a existência de uma ampliação dos enfoques e temáticas no campo do Currículo, bem como a centralidade que as questões relativas às políticas e à diferença vêm assumindo nesse campo. Com a proliferação de propostas curriculares nacionais e estaduais, de modelos centralizados de avaliação e de orientações para a formação de professores nos mais diferentes países, a exemplo das recentes reformas educacionais no Brasil e em Portugal, a temática da política vem assumindo um destaque cada vez maior nas investigações dos dois países. As aceleradas trocas culturais no mundo atual – fenômeno muitas vezes caracterizado no âmbito da globalização – facilitam o intercâmbio de idéias e modelos entre os países e propiciam ainda mais o interesse pela discussão sobre políticas de currículo, na medida em que igualmente são intercambiadas as formas de refletir sobre essas políticas.

Somando-se às discussões políticas, as discussões sobre a cultura e a diferença, com seu foco no contingente e no local, vêm se articulando à discussão política, reconfigurando seus princípios, especialmente marcados pelo foco econômico e, portanto, pela defesa de uma tendência à homogeneidade cultural no mundo capitalista contemporâneo. De forma associada à diferença ou à diversidade, ganham destaque também os discursos da inclusão, seja para afirmar a inclusão de um segmento particular, como no caso das crianças e jovens com necessidades especiais, negros ou índios, seja para associar esses diversos particulares a um universal – todos – no qual se espera que as diferenças possam ser unificadas.

Nesse debate, propomos então a problematização das concepções verticalizadas de política, em defesa de seu entendimento como produções para além da esfera estatal e para além dos enfoques economicistas, deterministas e essencialistas. Entendemos que tanto a exclusividade conferida às ações do Estado quanto o isolamento das instituições escolares das dimensões macro político-econômicas podem produzir formas restritas de conceber as políticas de currículo. Na medida em que toda política de currículo é uma política cultural (Macedo, 2006), tanto sua análise a partir da derivação dos processos econômicos e de classe – nos quais o Estado capitalista está inegavelmente engendrado -, quanto seu deslocamento dessas relações exclui dimensões importantes das lutas sociais para dar sentido a algumas dinâmicas da cultura e, particularmente, do conhecimento escolar.

Além disso, tais enfoques tendem a situar o particular, o local e, portanto, a prática como espaços apenas de constituição da resistência ou da dominação. Com isso, ressaltam, de diferentes maneiras, sua posição como subalterna e excluída das relações de poder. Em nosso modo de ver, assume-se assim como menos potente sua possibilidade de atuar na produção de sentidos das políticas e, também, em suas mudanças.

Igualmente propomos o questionamento aos enfoques que reduzem a diferença a identidades fixas e essencialistas, ou mesmo a análises que não pressupõem qualquer possibilidade de articulação[3] de diferentes particulares. No primeiro caso, a diferença deixa de ser inserida em um processo de significação em constante mudança e a identidade dos sujeitos políticos deixa de ser considerada como também um produto das lutas políticas, dos processos que nos fazem lutar por hegemonia. No segundo caso, muito presente em algumas análises pós-modernas, os diferentes particulares não são considerados como possíveis de se articular em uma luta comum, de certa forma minimizando a possibilidade de ação política coletiva.

Dessa maneira, pensar a política da diferença nos parece ser a forma de concebermos a inclusão não como um apagamento das diferenças, nem como a pressuposição da convivência tolerante das diferenças sem conflito, nem mesmo como sua assimilação a um universal que as conteria sem hibridismos. Mas como um processo de luta constante em que os híbridos culturais (Lopes, 2005) são produzidos.

Nessas lutas, são ressignificados os projetos de emancipação e justiça social do Iluminismo, tão caros às teorias críticas de currículo: também eles são provisórios, necessariamente sempre reconstruídos, decorrentes de articulações desenvolvidas nas lutas políticas. Nesse sentido, concordamos com Laclau (2000) quando afirma que isto não implica um abandono dos valores humanos e políticos do projeto do Iluminismo, mas uma modulação diferente de seus temas. Aqueles que, para a modernidade, eram essências absolutas, passaram agora a ser construções contingentes e pragmáticas.

Um destes híbridos culturais produzido por essa luta política constante pela significação é o próprio currículo. Nele, múltiplos saberes e diferenças se entrecruzam, são produzidos e se articulam na constituição de uma hegemonia, uma produção desenvolvida com base em processos de tradução desses saberes e diferenças. Entender os processos de significação do currículo e, dessa forma, participar da luta política por justiça social nos parece a contribuição que estes textos podem trazer.

[1] Intercâmbio entre o grupo de pesquisa «Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura», da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e o núcleo «Escola, currículo e formação de identidades», do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (www.fpce.up.pt/ciie), da Universidade do Porto. Tais pesquisas apóiam-se no convênio firmado entre as duas instituições e se concretizam no âmbito do projeto «Propostas curriculares e escolas no Brasil e em Portugal», com apoio da Capes, pelo Brasil, e do Grices, por Portugal (Edital CGCI 021/2006 Capes/Grices). Outros trabalhos deste livro também são resultados de pesquisas no âmbito deste edital, como é expresso ao longo desta edição.

[2] Ver, por exemplo, dois outros trabalhos das autoras: Lopes & Macedo (2002, 2006).

[3] Usamos articulação no sentido conferido por Laclau. Laclau e Mouffe (2001) partem da concepção de articulação de Gramsci como construção política de elementos não semelhantes e desenvolvem sua concepção de forma associada à concepção de discurso. Um discurso só se estabelece como totalidade estruturada como decorrência de uma prática articulatória, sendo tal prática estabelecida como uma relação entre elementos cuja identidade é modificada em função dessa articulação empreendida. Por isso, as identidades dos sujeitos e das demandas articuladas não são fixas, se modificam em função do próprio processo político de articulação.

Sumário:

Apresentação: A propósito das políticas, da diferença e da inclusão no currículo Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo
1. Pensando a diferença nos currículos Elizabeth Macedo (UERJ) e Débora Barreiros (UERJ)
2. O contexto da prática nas políticas de currículo Ana de Oliveira (Colégio Pedro II / UERJ) e Alice Casimiro Lopes (UERJ)
3. Ordem e violência na escola Maria de Lourdes Tura (UERJ)
4. Relações entre pesquisas, práticas e políticas de formação docente Marli André (PUC-SP)
5. Reformas Curriculares na formação de professores no Brasil e em Portugal – Identidades em (re)construção Rita de Cássia Frangella (UERJ) e Rosanne Evangelista Dias (CAp UFRJ / UERJ)
6. Desafios para um currículo escolar comprometido com a inclusão Carlinda Leite (UPorto) e Preciosa Fernandes (UPorto)
7. Políticas de Educação Inclusiva e seus desdobramentos na rede pública de Educação do Estado do Rio de Janeiro Rosana Glat (UERJ), Ediclea Mascarenhas Fernandes (UERJ) e Márcia Pletsch (UERJ)